Morreu nesta segunda-feira, dia 10, José Márcio Felício, mais conhecido como Geleião, o único fundador do Primeiro Comando da Capital (PCC) que ainda continuava vivo e delator número 1 da facção criminosa. Jurado de morte há mais de 20 anos pela fama de “alcaguete”, ele conseguiu sobreviver por todo esse tempo porque estava encarcerado no “seguro”, ala de presídio reservada a criminosos sexuais onde a organização não tem filiados. Se escapou da sentença de morte do grupo criminoso que ajudou a criar, não teve a mesma sorte com a Covid-19, doença da qual ele estava se tratando desde o início de abril.
Geleião passou 42 dos seus 60 anos de vida atrás das grades — ele cumpria pena de mais de 142 anos de prisão por uma lista de crimes que incluía homicídios, formação de quadrilha, estupro e roubo. Quando ele foi preso, em 1979, o país ainda vivia sob a ditadura militar. Ele participou ativamente da criação da facção, que nasceu de dentro do sistema penitenciário de São Paulo — inicialmente como um time de futebol para disputar o campeonato no antigo presídio de Taubaté, o “Piranhão’, até se tornar uma espécie de “sindicato do crime” capaz de promover rebeliões e ataques em série.
“O Marcola de ontem”: foi assim que o hoje delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, definiu Geleião na CPI do Tráfico de Armas, realizada em 2005, em referência ao atual líder da facção hoje, Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. A Geleião é atribuído o chamado “assassinato fundador” da facção, quando, durante uma briga por causa de futebol no presídio, ele matou um inimigo torcendo o pescoço com as mãos — foi pela violência, aliás, que o PCC impôs o seu domínio nas penitenciárias do Brasil afora.
Para assumir o comando da organização criminosa, Marcola, que se encontra preso na penitenciária federal de Brasília cumprindo mais de 300 anos de pena, e seu grupo precisaram passar por cima dos antigos chefões: dos oito fundadores, só Geleião continuava vivo, graças ao seu acordo com as autoridades policiais. Foi ele quem narrou à polícia como surgiu a facção criminosa (“o PCC nasceu da minha cabeça, da minha ideia”), quem eram as principais lideranças e como ela se financiava e organizava por meio de células (“o piloto [do presídio] comanda aqueles que são chamados soldados”). Geleião e Marcola romperam em 2002 após o assassinato da advogada Ana Olivatto, mulher de Marcola, que havia sido “decretada” (jurada de morte) pela cúpula do PCC por supostamente passar informações à polícia. “Essa ordem não tinha sido dada da minha parte, mas houve a ordem realmente”, relatou Geleião na CPI da Câmara dos Deputados.
Na mesma comissão, Marcola deu outra versão: contou que se afastou de Geleião porque ele era “muito radical” e “ia acabar levando a nós todos para uma situação muito ruim”. Segundo investigações da Polícia Civil, o fundador do PCC planejou um ataque com um carro-bomba à Bolsa de Valores de São Paulo, em 2002, que acabou não se concretizando — na época, foi encontrado um veículo com detonadores e explosivos abandonados numa rodovia paulista. “Ele queria atentados terroristas e eu era totalmente contra”, disse Marcola.
Com a queda de Geleião, Marcola e seu grupo assumiram o comando e transformaram o então “sindicato do crime” numa empresa transnacional de tráfico de drogas — vizinho de países produtores de cocaína, o Brasil é considerado hoje um dos maiores corredores de entorpecentes do mundo.
Após a perder a guerra interna, Geleião ainda chegou a fundar uma outra facção, o Terceiro Comando da Capital, com César Roriz Silva, o Cesinha, outro fundador, para disputar a influência com o PCC. A ideia não vingou. Cesinha foi assassinado por golpes de uma lança feita de madeira em 2006, e o grupo foi sufocado pela facção original.
O primeiro crime que levou Geleião para a prisão foi a acusação de roubar e estuprar uma estudante na Zona Norte de São Paulo junto com outro homem — ele se defendia dizendo que a jovem foi violentada pelo comparsa. Em tese, o código de conduta do PCC não tolera crime sexual. Na ocasião, ele tinha 18 anos. Desde então, só deixou o presídio poucas vezes para encontrar a esposa como benefício pela delação premiada. Agora, deixa a prisão em definitivo vítima de complicações causadas pelo novo coronavírus.
FOnte: Veja