Bolsonaro sanciona Lei Aldir Blanc, auxílio emergencial para a cultura

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A Companhia Urbana de Dança deve pedir auxílio emergencial para os bailarinos Foto: Renato Mangolin / Divulgação
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RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA — Sancionada nesta segunda-feira pelo presidente Jair Bolsonaro após tramitar na Câmara e no Senado por pouco mais de um mês, a Lei Aldir Blanc traz uma esperança aos trabalhadores da cultura. Ela promete liberar até R$ 3 bilhões para estados e municípios, com recursos oriundos, em sua maioria, do Fundo Nacional de Cultura (FNC).

Por mais de cem dias, a economia da cultura sofreu tanto com os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre suas atividades, quanto com a demora do setor público na resposta à erosão de recursos, que já eram escassos antes da quarentena. Em alguns casos, estados e municípios saíram à frente, com a criação de editais e lançamento de linhas de créditos, mas que não abrangiam a totalidade de trabalhadores do setor, que ficou à própria sorte com o fechamento de teatros, cinemas, casas de shows e centros culturais.

Lei Aldir Blanc:Entenda como funciona e quem pode ser beneficiado

Texto aprovado teve um veto

Aprovada na Câmara e no Senado em tempo recorde (no Senado, teve votação unânime, dia 4 de junho), a lei — batizada como Lei Aldir Blanc, em homenagem ao compositor que morreu vítima de Covid-19 — nasceu de um acordo costurado entre os parlamentares, que contou com a garantia de líderes governistas de que seria sancionada sem vetos. Mas acabou havendo um, de última hora: ao item que estabelecia prazo de 15 dias para o governo federal liberar o dinheiro. “Tendo em vista o esforço técnico e operacional para viabilizar o envio do valor, o prazo máximo de 15 dias, estabelecido no art. 2º, § 2º, mostrou-se inviável após análise técnica e, por este motivo, foi vetado”, diz o texto divulgado pela assessoria da Secretaria-Geral da Presidência.

Existiam seis projetos, de 34 autores, de 11 partidos. Foi preciso uma escuta ampla para chegar ao texto final — comenta a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), relatora do projeto na Câmara. — Como o movimento foi amplo, sensibilizou as bancadas. A arte e a cultura têm muito peso nos estados, basta pensar no São João, no carnaval, nas festas regionais. E, por ser uma lei que tem fonte de recursos identificada, também diminuiu a resistência das bancadas.

A articulação política evitou a ideologização do tema, sobretudo em um campo que está no centro das disputas de narrativas entre a direita e a esquerda. Tanto que o texto de autoria de Benedita da Silva (PT-RJ), relatado por Jandira na Câmara e no Senado por Jaques Wagner (PT-BA), teve o apoio do deputado Vitor Hugo (PSL-GO) e do senador Chico Rodrigues (DEM-RR), lideranças do governo nas duas casas.

 — Inicialmente propusemos R$ 6 bilhões, mas [a lei] ficou em R$ 3 bilhões porque o governo não aceitou colocar dinheiro que não fosse do Fundo Nacional da Cultura  — diz a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), autora do projeto.

Presidente da  APTR (Associação dos Produtores de Teatro do Rio), Eduardo Barata, que acompanhou de perto as negociações para a elaboraçao do texto, acredita que o foco nas questões técnicas fez com que a pauta contornasse os debates ideológicos.

— Em mais de 30 anos de profissão e militância no movimento cultural, nunca vi uma articulação que promovesse tão bem o diálogo com o setor, reforçando a sua importância social e econômica. A Lei da Meia-Entrada, por exemplo, ficou oito anos tramitando — lembra o produtor. — Foi mais que uma vitória da classe artística. Foi uma demonstração de que quando nos unimos, evitando a fragmentação em debates menores, nos tornamos também uma força política.

A lei prevê um auxílio de R$ 600, em três parcelas, para trabalhadores da arte e da cultura. Podem solicitar o recurso profissionais que comprovem atuação no setor nos últimos dois anos, com rendimentos de até R$ 28,5 mil em 2018.

Regras para usar a verba do benefício

Do valor geral, 20% precisam ser destinados para custear editais, chamadas públicas, cursos, prêmios e aquisição de bens e serviços (uma prefeitura pode, por exemplo, comprar antecipadamente ingressos de uma instituição). O uso dos 80% restantes pode ser decidido por estados e prefeituras.

Além da ajuda para pessoas físicas, a lei prevê auxílio para espaços artísticos e micro e pequenas empresas culturais que tiveram as suas atividades interrompidas por conta das medidas de isolamento social. As empresas precisam comprovar cadastro municipal, estadual, distrital ou de pontos de cultura.

Quando o dinheiro chegar a estados e municípios, as cidades terão até dois meses para programar a destinação do dinheiro (mais detalhes abaixo). Procuradas, as secretarias de Cultura de Rio e São Paulo (estado e município) disseram que esperam a lei ser aprovada para detalhar como estão se organizando. A pasta carioca chegou a afirmar que “desde o início da pandemia, elabora o Mapeamento Cultural Carioca para identificação dos segmentos mais vulneráveis do setor na cidade”, que deve receber mais de R$ 30 milhões.

O benefício atenderá profissionais como o iluminador e diretor de palco Júnior Brasil, que há 14 anos acompanha Bruce Gomlevsky em “Renato Russo  — O musical” e estava em cartaz com a montagem “O canto de Macabéa”, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

 — Este recurso é importante não só agora, mas também porque a gente não sabe quando e como vamos poder voltar a trabalhar. A maioria dos contratos é por temporada, você ganha por três meses sabendo que pode passar outro mês parado. Mas ninguém tem fôlego para se programar para uma situação como essa — destaca Júnior. — É um auxílio que chega num momento em que as pessoas estavam muito pra baixo. É difícil não poder fazer aquilo que você sabe e gosta.

Kimani, poeta paulistana de 27 anos, estuda pedir o auxílio. Ela, que foi campeã brasileira de slam (poesia cantada) em 2019, viu os trabalhos minguarem na quarentena.

— Antes eu tinha uma agenda com de 15 a 20 apresentações por mês. Hoje são umas cinco lives ou festivais. E nem todos são pagos.

A lei também vai atender espaços culturais e coletivos, como a Companhia Urbana de Dança, que hoje conta com oito bailarinos, todos oriundos do trabalho que o grupo faz no subúrbio carioca.

— No primeiro mês, banquei do meu bolso. Depois fui negociando com eles, até o momento em que vi que a Lei Aldir Blanc talvez pudesse passar. É isso que o artista quer e merece? Não. Mas foi a boia que nos jogaram — pondera Sonia Destri, diretora do grupo há 15 anos. — Não vejo a lei como ponto de exclamação, muito menos ponto final. Ela deve ser vírgula para o que vem depois.

Fonte: O Globo

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