“Sou professor de história, tenho 48 anos e moro no interior de Minas Gerais. Recebo por ano um pouco mais de R$ 22 mil, então tenho que declarar renda. Tenho dois filhos e uma neta que moram comigo, pago faculdade para eles e plano de saúde.”
“Meu filho tem 23 anos e trabalhava na construção civil, mas não consegue nem bicos desde o início da pandemia. Minha filha tem 20 anos, foi mãe aos 15 e não trabalha, porque tem que cuidar da filha dela. Os dois receberam o auxílio emergencial ano passado. Agora, se eu incluí-los na minha declaração como meus dependentes, eles vão ter que devolver o valor recebido.”
“Ficou uma situação muito difícil. Achávamos que os rendimentos do auxílio seriam isentos de tributação, porque não é uma renda, é um auxílio para manutenção das condições mínimas de vida. Então ficamos surpreendidos e decepcionados.”
“Vou ter que fazer a declaração sem incluí-los, apesar de mantê-los. Se não, é um problema que vou tentar resolver e vou criar outros dois. Eles continuam desempregados e estamos vivendo só com o meu salário, não teríamos nem condições de devolver o valor.”
O caso do professor mineiro, que pediu para ter seu nome preservado, é similar ao de muitos brasileiros neste começo de ano.
Com o início do período de declaração do Imposto de Renda (IR) 2021, que vai desta segunda-feira (1/03) até 30 de abril, são muitas as dúvidas dos contribuintes sobre como informar corretamente seus dados, após um ano de 2020 tão atípico.© Getty Images Professor de Minas Gerais vive a mesma realidade de muitos brasileiros nesta pandemia
O que diz a Receita Federal
Na semana passada, ao apresentar as regras para declaração do IR 2021, referente aos rendimentos recebidos no ano anterior, a Receita Federal informou que “o auxílio emergencial e o auxílio emergencial residual são considerados rendimentos tributáveis e devem ser declarados como tal na ficha de rendimentos recebidos de pessoa jurídica”.
O governo chama de “auxílio emergencial” o pagamento de R$ 600 ou R$ 1.200 feito aos trabalhadores informais entre abril e agosto de 2020. Quando o benefício foi reduzido à metade, entre setembro e dezembro, passou a ser chamado de “auxílio emergencial residual”. Rendimentos tributáveis são aqueles sobre os quais é preciso pagar imposto de renda, como salário, pensões, renda de aluguel e ganhos de capital de investimentos.
A Receita esclareceu ainda que “o contribuinte que tenha recebido rendimentos tributáveis em valor superior a R$ 22.847,76 no ano-calendário 2020 deve devolver os valores recebidos do auxílio emergencial, por ele e seus dependentes”.
Caso a devolução não tenha sido feita até 31 de dezembro de 2020, o próprio sistema da Receita Federal vai gerar um DARF (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) para pagamento dos valores a serem devolvidos.
De acordo com o Fisco, a expectativa é de que 3 milhões de pessoas que receberam o auxílio emergencial em 2020 devolvam o benefício através da declaração do imposto de renda.© Leonardo Sá/Ag Senado Auxílio emergencial começou a ser pago em abril de 2020
O que dizem os tributaristas
A advogada Rafaela Franceschetto, sócia da área tributária do FAS Advogados, lembra que o critério para receber o auxílio emergencial era ter renda familiar mensal por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos (R$ 3.135), e não ter recebido rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 em 2018.
Assim, quem não se encaixa nesses critérios teria recebido o auxílio de forma indevida.
A tributarista afirma, porém, que não há irregularidade se o contribuinte optar por não declarar um dependente que recebeu o auxílio, como planeja o professor de história mineiro.
“Quem recebeu indevidamente é responsável por si próprio, não é o pai ou qualquer parente que vai ser responsabilizado por isso”, diz Franceschetto. “O contribuinte pode optar por não declarar o dependente.”
Ao declarar um dependente, o contribuinte pode se beneficiar de restituições referentes a gastos com educação e saúde. Mas a inclusão do dependente na declaração é facultativa.
“O contribuinte só precisa declarar o dependente se pretende se beneficiar das devoluções”, explica a advogada, acrescentando que não se trata de nenhum “jeitinho” ou incentivo à irregularidade, mas sim, como funciona normalmente a declaração de renda.
Outra dúvida que tem sido frequente entre os contribuintes é, se o auxílio será considerado tributável e deve ser declarado como rendimento recebido de pessoa jurídica, qual CNPJ deverá ser utilizado nessa declaração e onde obter o informe de rendimentos.
O advogado Rodrigo Pinheiro, sócio coordenador da área tributária do Leite, Tosto e Barros Advogados, explica que, para obter o informe de rendimentos referente ao auxílio emergencial, é preciso se cadastrar neste link.
Pinheiro também esclarece que não será possível parcelar o valor do auxílio a ser devolvido, conforme informações da Receita e do Ministério da Cidadania.
No auxílio, ‘errar para mais’ era melhor do que ‘errar para menos’
O economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), avalia que o pagamento do auxílio emergencial a pessoas que não se encaixavam nos critérios definidos pelo governo era quase “inevitável” em uma situação em que foi preciso chegar rapidamente a um grande número de pessoas que não constavam dos cadastros sociais do governo.
“O auxílio acabou sendo muito apropriado por jovens desempregados de famílias de classe média, porque nunca foi feita uma divulgação muito clara das regras de elegibilidade e era razoavelmente fácil para essas pessoas pedir e receber o benefício”, diz Duque.
“Além disso, diferentemente de um pensionista do INSS ou de um trabalhador formal, não era tão simples o governo verificar se esse recebimento era indevido.”
Na avaliação do economista, no primeiro momento de agravamento da pandemia, em abril do ano passado, o governo tomou a decisão correta ao fazer um processo de verificação simples, o que permitiu que o dinheiro chegasse rapidamente a quem precisava.
“Não tem muito jeito, erros vão acontecer quando se quer que o dinheiro chegue a pessoas que nunca estiveram em bancos de dados do governo e vão acontecer ainda mais se é necessário que esse dinheiro chegue rápido.”
Para Duque, esses problemas poderiam ser mitigados na provável renovação do auxílio em 2021. Mas o fato de o governo não ter se programado para a retomada do benefício, que terá que ser recriado agora novamente com a pandemia em situação gravíssima, deve dificultar uma melhor focalização do programa.
“Estamos na mesma situação que em abril do ano passado. As pessoas estão há quase dois meses sem receber nenhum recurso do auxílio, muitas delas numa situação de vulnerabilidade muito grande, e piorada por essa segunda onda”, diz Duque. “Então, infelizmente, por falta de planejamento, o governo está na mesma situação em que precisa escolher ‘o quanto quer errar’, porque novamente o dinheiro precisa chegar rápido às pessoas.”
O professor de Minas Gerais conta que seus filhos esperam novamente poder contar com a ajuda do governo esse ano.
“Temos essa esperança, que eles possam receber, para poder passar esse período de pandemia e, quando a economia voltar a crescer, eles possam estar no mercado de trabalho de novo.”
“Somente eu estou recebendo renda. E a situação por aqui está muito complicada. Aqui na região, só começa a gerar renda a partir de maio, quando começa a colheita de café e começa a ter emprego. Até lá, não há perspectiva nenhuma de trabalho.”